sexta-feira, 18 de março de 2011

Poesia - Fernando Pessoa

Poema em linha recta


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado,
Para fora da possiblidade do soco;
Eu que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu que verifico que não tenho par nisto neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo,
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu um enxovalho,
Nunca foi senão - princípe - todos eles princípes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana,
Quem confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó princípes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde há gente no mundo?

Então só eu que é vil e erróneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

terça-feira, 15 de março de 2011

Obama na "Cidade de Deus"

Barack Obama deverá visitar a favela Cidade de Deus

artigo do Diário de Notícias

A favela da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, é já dada como certa pela imprensa brasileira como a escolhida para receber a visita do Presidente norte-americano, no próximo fim-de-semana, embora não haja ainda confirmação oficial.
Embora não tenha sido confirmada pela representação diplomática norte-americana, os meios de comunicação social brasileiros dão como certa a decisão e explicam a escolha da comunidade por razões de segurança. De acordo com os jornais locais, os serviços secretos norte-americanos terão considerado aquele bairro mais fácil de vigiar, por ser o único plano entre as outras comunidades sugeridas. As outras favelas sugeridas foram o morro Santa Marta, em Botafogo, e a Babilônia, no Leme, ambas localizadas na zona sul da cidade, porém em encostas bastante íngremes, de difícil circulação e acesso, especialmente pelo grande número de ruelas e becos sem saída.
Há, no entanto, uma relação directa entre a Cidade de Deus e os EUA, já que o bairro foi construído com dinheiro norte-americano, disponibilizado durante o governo John Kennedy, na década de 1960, num projecto que fazia parte do programa Aliança para o Progresso. Voltado para o desenvolvimento económico dos países da América Latina, o Aliança para o Progresso foi uma iniciativa lançada por Kennedy num momento de guerra fria e de pós Revolução Cubana (1959), quando os EUA começaram a temer pela segurança do continente. Assim como as comunidades Vila Kennedy e Vila Aliança, a Cidade de Deus foi concebida como um projeto habitacional para acolher moradores transferidos de 23 favelas da cidade durante o governo Carlos Lacerda no Estado do Rio (1965-1967).
Em poucos anos, porém, o bairro sofreu um enorme crescimento populacional, expandindo-se além do previsto, sem infraestruturas adequadas e passando a conviver com violência e aumento do tráfico de droga nas décadas seguintes. De acordo com informações da prefeitura, a Cidade de Deus ocupa hoje uma área de 135.392,02 metros quadrados, com uma população estimada em 45 mil habitantes. Imortalizada pelo filme do mesmo nome, produzido em 2002 pelo realizador brasileiro Fernando Meirelles, que rendeu quatro nomeações para os Óscares, o cenário actual na comunidade é bem diferente do retratado no grande ecrã. A comunidade foi a segunda a ser ocupada por uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), em Fevereiro de 2009, e conta hoje com um efectivo de 326 polícias que ficam permanentemente no bairro, garantindo a segurança da população.
"Para nós foi maravilhoso. Antes esses malucos (os traficantes) começavam baile funk na quinta-feira e só terminava no domingo. Era uma situação horrorosa, com muito barulho, gente fazendo sexo na rua, às vezes tinha tiroteio", conta Carlos Ivanov de Lima, 46 anos, que vive desde os três naquela favela. Ivanov de Lima, que trabalha actualmente como auxiliar na Associação dos Moradores da Cidade de Deus, conta que desde que o programa de segurança começou há abundância de oferta de trabalho. "A toda a hora há gente a ligar para cá procurando pessoas, oferecendo vagas. Tanto que já nem temos mais gente para indicar, estão sobrando vagas", refere. Números do Instituto de Segurança Pública (ISP) confirmam a eficácia do projecto, mostrando que no espaço de um ano o índice de homicídios caiu mais de 80 por cento e o de roubos cerca de 70 por cento.

terça-feira, 1 de março de 2011

Lazer

Esplanadas a ver o mar. 10 para escolher antes que o sol desapareça


por Diana Garrido, Publicado em 26 de Fevereiro de 2011   
O sol regressou. Como se trata de um astro com personalidade, o melhor é aproveitá-lo antes que mude de ideias. Aproveite o fim de semana para se fazer à esplanada mais próxima e gastar algumas horas a fazer a fotossíntese. Damos-lhe dez à escolha: marroquinas, com árvores, areia ou pizzas
Kontiki Bar, S. João, Costa da Caparica

Kontiki Bar, Praia de São João, Costa da Caparica
Praia da conceição, Cascais, The BayTem peixe fresco? Tem. Carne boa? Sim. Mar ali à vista? Claro. E marisco, bebidas, tapas, tostas, saladas e o que mais quiser. E fica em Cascais, terra cuja baía foi cantada durante tantos anos pelos já extintos Delfins. Mas se tiver de a trautear, faça-o baixinho. A esplanada é coberta mas as janelas, que pode abrir, são tão grandes que vai sentir-se na praia, mas sem a chatice da areia.

Horário: ter. a qui. das 11h00 às 20h00; sex. e sáb. das 11h00 às 02h00 e domingo das 11h00 às 20h00.

Telefone: 214820038

Praia da Poça, São João do Estoril Restaurante OpíparoÉ dois em um. Tão depressa é um espaço romântico para jantares ou almoços a dois, com vista para o mar graças ao facto de ser todo envidraçado, como tem uma esplanada catita onde se servem refeições mais ligeiras. Há menu de pequeno almoço, almoço e jantar e after hours, o mais apetecível, com salada de polvo, favinhas com chouriço, morcela assada com puré de maçã e é melhor parar por aqui antes que coma esta página.

Horário: todos os dias das 9h00 às 02h00

Telefone: 214688600

Praia São Pedro, Estoril, Bar Pizzaria Praia São Pedro do Estoril As pizzas são boas, mesmo boas, e até o pão de alho é em forma de pizza. A esplanada é ampla e soalheira e pode levar os miúdos para correrem na areia depois de se lambuzarem com queijo mozarela derretido, molho de tomate e, para os mais corajosos, cogumelos. Empanturre-se também sem culpas. É fim-de-semana e vale tudo. O sol é quente mas não o suficiente para trocar as calças de ganga pelo fato de banho por isso não tem (ainda) de se preocupar com a linha. Na segunda-feira, quando lhe perguntarem se o fim-de-semana foi bom, vai poder responder um ''sim'' verdadeiro (e quem sabe com a cara mais bronzeada).

Horário: das 9h às 00h, sábado das 9h00 às 3h00

Telefone: 214670027

Praia Cabana do Pescador, Costa da Caparica, Delmar caféEstá aberto todo o ano porque a praia também é bonita no Inverno. A esplanada é grande e até tem espreguiçadeiras viradas para o mar, onde pode beber uma caipirinha ou um galão enquanto sonha com as caraíbas. Se for do tipo friorento e adepto de esplanadas debaixo de 30º graus, pode ficar no interior sem medo de perder o mar de vista. Para comer há vários tipos de peixe e marisco para os mais frugais, os costumeiros hambúrgueres para os carnívoros e para beber há sangria, entre outras coisas que agora não temos espaço para enumerar.

Horário: fins de semana das 9h00 às 24h00; durante a semana das 14h00 às 20h00. No verão está aberto 24h00.

Telefone: 919305018

Praia Nova, Costa da Caparica, Marrocos Ocean ClubO calçadão da Costa da Caparica já não é o mesmo desde que o Pólis (finalmente) reorganizou as esplanadas e deu mais areia às praias. Neste restaurante/bar pode fingir que está em Marrocos, de olhos no mar. E não faltam pufs no chão, chá quente e frio e cachimbos de água para quem gosta de tabaco com sabor a fruta. Não deixe de entrar no restaurante, nem que seja para ir à casa de banho, porque vale a pena. O menu é mesmo marroquino, feito pelo chef Rochi Addari, onde marcam presença o couscous, as tágines e as pastillas.


Horário: das 11h00 às 02h00. Encerra às 2ªs

Telefone: 927971528

Praia de São João, Costa da Caparica, KontikiSe olhar para a fotografia fica logo com vontade de se sentar nos sofás, deitar nos pufs coloridos tamanho XL e dormir uma sesta. E pode fazê-lo, que ninguém o vai acordar. Convém é que consuma qualquer coisa primeiro, está bem? Nem que seja uma sangria de frutos silvestres. Vai ver que adormece mais depressa.

Horário: das 11h00 às 20h00; Verão das 9h00 às 02h00
Telefone: 967967343


Parque de Albarquel, Setúbal, Made in CaféTão depressa está no campo, como na praia. Há árvores, relva para os miúdos correrem, rio e mar a encontrarem-se e areia para passear. Desta esplanada vê-se Tróia e um bocadinho da baía de Setúbal. Os preços são baixos e ainda não há filas de pessoas nem longas esperas por uma mesa. Pode almoçar em modo buffet ou preferir uma tosta mista: há para quase todos os gostos. Ou então pode beber um café e pronto.


Horário: das 10h00 às 02h00

Telefone: 96 605 20 11

Av. Norton de Matos, Matosinhos, Lais de Guia BarMesmo em cima do areal da praia de Matosinhos está um dos mais apreciados bar/esplanada do Grande Porto. O Lais de Guia abriu portas em 1996, ganhando o nome a partir de um dos nós mais usados na faina marítima, quer para atracar os barcos que chegam ao porto de abrigo, quer para arremessar e salvar náufragos. Além das mesas e das cadeiras, a esplanada oferece ainda umas confortáveis espreguiçadeiras.


Horário: das 09h00 às 02h00

Telefone: 229381428


Esplanada Praia da Luz, Avenida Brasil, PortoA Praia da Luz é, a par com as do Molhe, uma das mais antigas e conceituadas esplanadas da Foz. Funciona durante o ano inteiro, mas é com os primeiros raios de sol que ganha mais encanto. As espreguiçadeiras alinhadas a meia dúzia de metros do mar, a música chill-out nas colunas e, claro está, um lugar privilegiado para assistir ao pôr-do-sol. Quem vê nunca mais esquece, dizem.

Horário: das 9h00 às 2h00.
Telefone: 226173234
Praia Canide Norte/Sereia, Vila Nova de Gaia, Grão d''AreiaPostada em pleno areal de uma das mais extensas praias de Vila Nova de Gaia, Canide Norte, a Grão d''Areia tem uma esplanada lounge com espreguiçadeiras e puffs. Logo em frente fica o passadiço de madeira que liga todas as praias de Gaia. Só para o caso de dar vontade de uma caminhada praia fora.

Horário: Domingo a quinta das 9h00 à 1h00; Sexta e Sábado das 9h00 às 2h00

Telefone: 227722108


 Miguel Ângelo Pinto, Jornal i

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Canção do grupo Deolinda chegou ao Parlamento

Canção do grupo Deolinda chegou ao Parlamento

Por Vera Ramalhete
Público, 14.02.2011 - 20:07

A canção” Que Parva que Sou” do grupo Deolinda, considerada já uma canção de intervenção, esteve hoje em análise no Parlamento.

Na Audição de Políticas de Juventude, promovida pela Comissão de Educação e Ciência, representantes de organizações de juventude e de autarquias locais e deputados debateram as dificuldades que enfrentam os jovens no mercado de trabalho e a qualidade da educação.

“O problema não é o estudar, é o ser escravo”, explicou José Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda, como resposta à anterior ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, que se mostrou preocupada com a possibilidade do verso “que para ser escravo é preciso estudar” ser um desincentivo para os jovens.

Para enfrentar o problema do “trabalho escravo”, o Conselho Nacional de Juventude (CNJ) anunciou a intenção de propor a discussão de uma lei que “proíba pura e simplesmente todos os estágios não remunerados”. A proposta foi seguida pela Juventude Socialista e por José Soeiro, que criticaram as alterações do actual projecto em discussão que visa implementar o fim dos estágios não remunerados, por deixar de fora os trabalhadores independentes.

Também Rita Rato, do Partido Comunista, se mostrou preocupada com “a juventude que tem que pagar para trabalhar” e criticou os cortes e atrasos nas bolsas para os estudantes, outro tema muito discutido na audição. “Hoje vivemos um período muito grave com as bolsas de ensino superior, há centenas de jovens a deixar de estudar por razões económicas”, criticou o deputado do PSD Pedro Rodrigues, situação que considerou “inadmissível”.

Quem se mostrou descontente com as intervenções na audição foi Nuno Araújo, do Partido Socialista, que considerou que “utilizar termos como escravatura é puro populismo”, pedindo mais soluções e menos críticas ao Governo.

“A canção dos Deolinda veio dar voz a esta sensação de impotência e desânimo dos jovens portugueses”, disse ao PÚBLICO Pedro Rodrigues, que juntamente com o Presidente da Comissão de Educação e Ciência moderou esta iniciativa sobre políticas para “a geração mais penalizada de sempre em Portugal”.


Deolinda - Que parva que sou!

"Parva que sou" - Deolinda
Música e letra: Pedro da Silva Martins

Sou da geração sem-remuneração
e nem me incomoda esta condição...
Que parva que eu sou...

Porque isto está mau e vai continuar
já é uma sorte eu poder estagiar
Que parva que eu sou....

e fico a pensar
que mundo tão parvo
onde para ser escravo
é preciso estudar...

Sou da geração casinha-dos-pais
Se já tenho tudo, pra quê querer mais?
Que parva que eu sou...

Filhos, marido, estou sempre a adiar
e ainda me falta o carro pagar
Que parva que eu sou...

e fico a pensar
que mundo tão parvo
onde para ser escravo
é preciso estudar...

Sou da geração vou-queixar-me-pra-quê?
Há alguém bem pior do que eu na TV
Que parva que eu sou...

Sou da geração eu-já-não-posso-mais-Que-esta-situação-d­ura-há-tempo-de-mais!
e parva eu não sou!!!

e fico a pensar
que mundo tão parvo
onde para ser escravo
é preciso estudar...

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Visita ao Porto

Visitar o Porto

Há um posto de turismo no aeroporto- pedir informações e mapa. Pedir informações sobre os horários da visita às Caves do Vinho do Porto.



  • Estação de S. Bento (impossível não a verem porque para chegarem ao albergue passam por ela - é a estação que está dentro da cidade)
  • Torre dos Clérigos (fica ao lado do albergue)
  • Livraria Lello (uma das mais bonitas livrarias no mundo, dizem, fica junto ao albergue)
  • Café Majestic, Guarany, A Brasileira, Imperial (hoje um MacDonalds, mas bonito)
  • O passeio ao longo da Foz, rio e mar (se estiver bom tempo beber um café numa das esplanadas da Foz)
  • Museu e Parque de Serralves (têm que ir de autocarro que é longe)
  • Casa da Música
  • Palácio da Bolsa
  • Mercado Ferreira Borges (funciona o Hard Club com espectáculos de música e outros eventos - há espectáculos no dia 11 e 12)
  • Ribeira (junto ao rio Douro)
  • Caves do Vinho do Porto
  • Jardim do Palácio de Cristal (para ver a vista que está na foto em cima)
  • Ver os maravilhosos azulejos que existem por todo centro da cidade em especial nas fachadas das igrejas


Estes são alguns dos passeios de que me lembro. Divirtam-se.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Crónicas

Notícia sobre Northampton e Ann Timson no Diário de Notícias

Sobre os albergues

Para quem vai passear ao Porto na próxima semana, ler a notícia do Público sobre os albergues - aqui

domingo, 30 de janeiro de 2011

Crítica ao concerto dos "Deolinda" no Coliseu

Crítica de música do jornal Público
Este fenómeno que se chama Deolinda

Deolinda
Lisboa, Coliseu dos Recreios
Sábado, 29 de Janeira, às 21h45
Sala cheia

Comecemos assim: Tão longe chegou a Deolinda. Escrevemos “a” Deolinda, e não “os” Deolinda, porque é ela a ideia que originou o grupo, porque foi precisamente essa personagem indefinida entre os tempos de ontem e a vida de hoje, ela que não sabe se há-de ser cosmopolita ou bairrista de espírito, a que esteve a ser celebrada ontem e anteontem num quase esgotado Coliseu dos Recreios (e há uma semana em duas datas no Coliseu do Porto). E começámos por dizer “tão longe chegou a Deolinda” porque nos lembramos do início, quando do grupo existia apenas um par de vídeos no YouTube e a memória de pequenos concertos publicitados de boca em boca, qual segredo mal guardado prestes a tornar-se conhecido de todos. A Deolinda, portanto.

Chegou tão longe que hoje tem os dois álbuns que constam do seu currículo, “Canção ao Lado” e o mais recente “Dois Selos e um Carimbo”, nos topes. Tão longe que em três anos já viajou mundo fora e anda agora por Portugal a apresentar-se nesses locais de habitual consagração que são os Coliseus. E eles, os Deolinda (passemos para o plural, que agora é da banda que falamos), merecem essa consagração e essa euforia.

Na sala nas Portas de Santo Antão, em Lisboa, vimo-los em fatiotas catitas (a vocalista Ana Bacalhau surgiu qual versão “haute couture” de rainha de marcha popular), com um apoio cénico simples e eficiente (“animaram-se” as ilustrações que João Fazenda lhes desenhou) e com a colaboração esporádica de convidados como o baterista Sérgio Nascimento, a pianista Joana Sá ou um quarteto de cordas (acrescentaram novas texturas a canções como “Passou por mim e sorriu” ou a célebre “Fon fon fon”). Nada disso, porém, maculou o que lhes é essencial.

A banda que, no seu início, ensaiava na Damaia, no restaurante dos pais de Pedro da Silva Martins, guitarrista e compositor, e Luís da Silva Martins, guitarrista, é exacta e precisamente aquela que, às 21h45, vimos ontem entrar no palco do Coliseu lisboeta. A Deolinda são as canções que os Deolinda compuseram para ela e tocam através dela: Retratos, construídos de dorida melancolia e de sorrisos traquinas, de aquilo que somos hoje aqui, Portugal 2011, e do que nos fez aqui chegar. Por aí se explica que cheguem a toda a gente: um pai com a filha à nossa frente, trintões a toda a volta e um grupo de miúdos ali ao lado, bem próximos do casal sexagenário impecável no fato (o dele) e penteado armado (o dela).

A intensa rodagem em palco do último par de anos transformou-os num grupo que domina na perfeição os ritmos e a dinâmica das melodias – as duas guitarras trocando dedilhados com intuição e sabedoria, o contrabaixo de José Pedro Leitão a dar peso ao conjunto e Ana Bacalhau impecável na forma como “gere” as variações de intensidade -, mas são as canções, como antes e como agora, que fazem deles um caso especial: percebem as contradições deste sítio que habitamos e constroem a partir delas pedaços de música popular tão empolgante quanto transversal.

Tudo explicado no país temente a Deus que ganha santinha acossada em procissão por sentimentos profanos - “Contado ninguém acredita”, uma das primeiras da noite -, nos fanfarrões fiéis ao clássico “segurem-me que eu vou-me a ele” que se mostram latagões de coração mole - “Fado Toninho”, a meio de concerto -, na melancolia que espreita a cada passo – a impecável “Clandestino” é um bom exemplo – e na auto-ironia utilizada como arma poderosa – disparam-na em “A problemática colocação de um mastro”, antes do encore, e na canção resumo de toda a postura, “Movimento perpétuo associativo”, cujo mote comunal, “vão andado que eu vou lá ter”, finalizou o concerto enquanto caíam confetis e a banda atravessava a plateia, cantando com o público.

Ao longo de cerca de duas horas, os Deolinda foram aquilo que são desde que os vimos pela primeira vez. Uma humilde e graciosa máquina de construir canções que tem o seu grande trunfo na expressividade de Ana Bacalhau e na certeira simplicidade e clareza de letras e melodias.Têm o espírito fadista no trinado das guitarras, no crescendo final de cada uma das músicas, e em títulos como “Fado castigo” ou o “Fado não é mau” (outras duas interpretadas ontem), mas o fado interessa-lhes mais como universo inspirador que como modelo. Pressente-se a revolução da música popular portuguesa operada por José Afonso na melodia de “Patinho de borracha” - não sabemos o que acharia Zeca disso, mas dezenas de pessoas ergueram patos de borracha durante a canção -, intuímos a gravidade etérea dos Madredeus , aquela força arrancada à nostalgia, em “Passou por mim e sorriu”, entramos no embalo dos balanços MPB que surgem a espaços, e temos por certo que Gershwin acharia piada ao momento de música de câmara que pontuou “Ignaras vedetas”.

Com o público em euforia constante, tanto que as palmas sôfregas não se cansaram de ultrapassar o ritmo da música, os Deolinda avançaram canção após canção das 25 apresentadas – dois encores incluídos - sem pausas e sem palavreado inútil. Recuperaram as suas memórias e as da sua geração e, ao fim do primeiro encore, desencantaram esse vinil antigo de José Barata Moura intitulado “Fungagá da Bicharada”. Fizeram o diagnóstico dessa geração, a que vive agora entre a bicharada, e apresentaram uma nova canção, “Que parva que eu sou”, que fez levantar parte do Coliseu – a precariedade resumida no refrão absurdamente directo “que mundo tão parvo, onde para ser escravo, é preciso estudar”. Despediram-se pouco depois com “Movimento perpétuo associativo”, plano final inevitável e obrigatório da vida que os Deolinda inventaram para essa outra rapariga chamada Deolinda.

No Coliseu, resumiram tudo em 25 canções. Chegaram longe, mas estão como sempre os vimos. Têm as canções e não precisam de nada mais.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Fado

No filme A religiosa portuguesa podem ouvir Camané cantar um fado.

Encontrei no YouTube um outro fado cantado por ele:



Sei de um rio, sei de um rio
Em que as únicas estrelas nele sempre debruçadas
São as luzes da cidade
Sei de um rio, sei de um rio
Onde a própria mentira tem o sabor da verdade
Sei de um rio…
Meu amor dá-me os teus lábios, dá-me os lábios desse rio
Que nasceu na minha sede, mas o sonho continua
E a minha boca até quando ao separar-se da tua
Vai repetindo e lembrando
Sei de um rio, sei de um rio
Meu amor dá-me os teus lábios, dá-me os lábios desse rio
Que nasceu na minha sede, mas o sonho continua
E a minha boca até quando ao separar-se da tua
Vai repetindo e lembrando
Sei de um rio, sei de um rio
Sei de um rio, até quando

letra: Pedro Homem de Melo – música: Alain Oulman

Filme - The Portuguese Nun

The Portuguese Nun / A religiosa portuguesa
ICA - Institute of Contemporary Arts
The Mall,
London,
SW1Y 5AH



21 - 24, 27, 29 - 30 Jan, 2 Feb 2011
£9 / £8 Concessions / £7 ICA Members



Julie de Hauranne, uma jovem actriz francesa que fala a língua da sua mãe, o português, mas que nunca esteve em Lisboa, chega pela primeira vez a esta cidade, onde vai rodar um filme baseado nasLettres portugaises de Guilleragues. Rapidamente, deixa-se fascinar por uma freira que vai rezar, todas as noites, para a capela da Nossa Senhora do Monte, na colina da Graça. No decurso da sua estadia, a jovem trava uma série de conhecimentos, que, à imagem da sua existência anterior, parecem efémeros e inconsequentes. Mas, após uma noite em que, finalmente, fala com a freira, ela consegue entrever o sentido da vida e do seu destino.


Direcção Eugène Green, Portugal 2009, 127 mins, legendas em inglês, 35mm


Apoio do Instituto Camões.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Notícias - BBC acaba com serviço em português

O serviço da BBC em português e em outras línguas vai encerrar no âmbito de um plano para poupar 46 milhões de libras (53 milhões de euros) por ano.

Além do serviço em português, que se destina sobretudo aos países africanos lusófonos, irão também fechar os serviços em macedónio, albanês, sérvio e inglês para as Caraíbas.

O anúncio oficial destas medidas, bem como o despedimento de 650 funcionários de um total de cerca de 2400, será feito esta quarta-feira aos funcionários.

Mas para Teresa Lima, responsável pela secção portuguesa na BBC, onde está há 12 anos, a notícia não é totalmente inesperada. "O serviço já teve para ser cortado várias vezes", explicou, em declarações à agência Lusa.

Ficou surpreendida, no entanto, com os "cortes demasiado drásticos" que colocam em risco os 12 postos de trabalho na secção, dos quais dez a tempo inteiro e dois a tempo parcial.

Se estes planos forem para a frente, admite que "as oportunidades de reintegração [noutros serviços da BBC] não serão muitas".

O serviço em português foi criado a 4 de Junho de 1939 e era dirigido inicialmente a Portugal e às respectivas colónias.

Depois da sua independência, a partir de 1975, os países africanos de expressão portuguesa passaram a ser o principal destino deste serviço.

Além de três programas diários de rádio, tem uma página na internet e recentemente entrou para as redes sociais Facebook e Twitter.

O serviço começou também há pouco tempo a transmitir em directo os relatos em português dos jogos de futebol da Primeira Liga inglesa.

"A audiência continua a crescer e há uma grande interactividade com os ouvintes", garantiu Teresa Lima.

Os números reais de ouvintes são incertos, mas o serviço transmite em sete frequências de rádio em Moçambique, o país com mais público, e tem acordos de retransmissão em Angola, Cabo Verde e Guiné-Bissau.

O encerramento da secção portuguesa faz parte de um plano de poupanças da BBC devido à redução do apoio financeiro do governo britânico.

Além de ter congelado o valor da taxa de televisão, o governo eleito em Maio determinou, em Outubro, que a BBC passasse a financiar o serviço externo da estação, antes suportado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros.

O custo total do Serviço Mundial da BBC está estimado em 272 milhões de libras por ano (315 milhões de euros). Lançado em 1932, transmite em 32 línguas para uma audiência de 241 milhões de pessoas. Inclui rádio, internet e televisão.

Os "Deolinda"

Entrevista aos "Deolinda", no programa Pessoal.... e Transmissível, grupo de música portuguesa popular que vai estar em Londres no Jazz Café no dia 8 de Março de 2011.



Página do grupo Deolinda - aqui

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Paula Rego - na Tate Modern

Filme sobre Paula Rego na Tate Modern - Sexta-feira, 28 de Janeiro
Entrada gratuita


Paula Rego - The Maids, 1987, The Saatchi Gallery


Arts on Film Tate Modern
Paula Rego: Telling Tales
Friday 28 January 2011, 18.30
United Kingdom, Jake Auerbach, 2009, 47 min. English

With the director, Jake Auerbach

Paula Rego (b. 1935) is as famous in her adopted country, Britain, as in her native Portugal. In the words of Nicholas Serota, director of Tate, this major figure "has taken her own childhood experiences, memories, fantasies and fear, and given them universal significance." For Germaine Greer, whose 1995 portrait by Rego hangs in the National Portrait Gallery, her work is both feminist and subversive, projecting the private world and dreams of women with great depth and colour. This film follows Rego over a period of twelve months. In six interviews she talks with humour and candour about her private world, how it is woven into her pictures, how her work helps to keep her inner demons at bay.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Com poesia

Uma nova página que publica em inglês poemas portugueses do século XXI:


Poems from the Portuguese

Poesia

Pedra filosofal

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso,
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos,
que em oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.


Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho alacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que foça através de tudo
num perpétuo movimento.


Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa dos ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão de átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.


Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que o homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

António Gedeão, Poesias completas

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