domingo, 30 de janeiro de 2011

Crítica ao concerto dos "Deolinda" no Coliseu

Crítica de música do jornal Público
Este fenómeno que se chama Deolinda

Deolinda
Lisboa, Coliseu dos Recreios
Sábado, 29 de Janeira, às 21h45
Sala cheia

Comecemos assim: Tão longe chegou a Deolinda. Escrevemos “a” Deolinda, e não “os” Deolinda, porque é ela a ideia que originou o grupo, porque foi precisamente essa personagem indefinida entre os tempos de ontem e a vida de hoje, ela que não sabe se há-de ser cosmopolita ou bairrista de espírito, a que esteve a ser celebrada ontem e anteontem num quase esgotado Coliseu dos Recreios (e há uma semana em duas datas no Coliseu do Porto). E começámos por dizer “tão longe chegou a Deolinda” porque nos lembramos do início, quando do grupo existia apenas um par de vídeos no YouTube e a memória de pequenos concertos publicitados de boca em boca, qual segredo mal guardado prestes a tornar-se conhecido de todos. A Deolinda, portanto.

Chegou tão longe que hoje tem os dois álbuns que constam do seu currículo, “Canção ao Lado” e o mais recente “Dois Selos e um Carimbo”, nos topes. Tão longe que em três anos já viajou mundo fora e anda agora por Portugal a apresentar-se nesses locais de habitual consagração que são os Coliseus. E eles, os Deolinda (passemos para o plural, que agora é da banda que falamos), merecem essa consagração e essa euforia.

Na sala nas Portas de Santo Antão, em Lisboa, vimo-los em fatiotas catitas (a vocalista Ana Bacalhau surgiu qual versão “haute couture” de rainha de marcha popular), com um apoio cénico simples e eficiente (“animaram-se” as ilustrações que João Fazenda lhes desenhou) e com a colaboração esporádica de convidados como o baterista Sérgio Nascimento, a pianista Joana Sá ou um quarteto de cordas (acrescentaram novas texturas a canções como “Passou por mim e sorriu” ou a célebre “Fon fon fon”). Nada disso, porém, maculou o que lhes é essencial.

A banda que, no seu início, ensaiava na Damaia, no restaurante dos pais de Pedro da Silva Martins, guitarrista e compositor, e Luís da Silva Martins, guitarrista, é exacta e precisamente aquela que, às 21h45, vimos ontem entrar no palco do Coliseu lisboeta. A Deolinda são as canções que os Deolinda compuseram para ela e tocam através dela: Retratos, construídos de dorida melancolia e de sorrisos traquinas, de aquilo que somos hoje aqui, Portugal 2011, e do que nos fez aqui chegar. Por aí se explica que cheguem a toda a gente: um pai com a filha à nossa frente, trintões a toda a volta e um grupo de miúdos ali ao lado, bem próximos do casal sexagenário impecável no fato (o dele) e penteado armado (o dela).

A intensa rodagem em palco do último par de anos transformou-os num grupo que domina na perfeição os ritmos e a dinâmica das melodias – as duas guitarras trocando dedilhados com intuição e sabedoria, o contrabaixo de José Pedro Leitão a dar peso ao conjunto e Ana Bacalhau impecável na forma como “gere” as variações de intensidade -, mas são as canções, como antes e como agora, que fazem deles um caso especial: percebem as contradições deste sítio que habitamos e constroem a partir delas pedaços de música popular tão empolgante quanto transversal.

Tudo explicado no país temente a Deus que ganha santinha acossada em procissão por sentimentos profanos - “Contado ninguém acredita”, uma das primeiras da noite -, nos fanfarrões fiéis ao clássico “segurem-me que eu vou-me a ele” que se mostram latagões de coração mole - “Fado Toninho”, a meio de concerto -, na melancolia que espreita a cada passo – a impecável “Clandestino” é um bom exemplo – e na auto-ironia utilizada como arma poderosa – disparam-na em “A problemática colocação de um mastro”, antes do encore, e na canção resumo de toda a postura, “Movimento perpétuo associativo”, cujo mote comunal, “vão andado que eu vou lá ter”, finalizou o concerto enquanto caíam confetis e a banda atravessava a plateia, cantando com o público.

Ao longo de cerca de duas horas, os Deolinda foram aquilo que são desde que os vimos pela primeira vez. Uma humilde e graciosa máquina de construir canções que tem o seu grande trunfo na expressividade de Ana Bacalhau e na certeira simplicidade e clareza de letras e melodias.Têm o espírito fadista no trinado das guitarras, no crescendo final de cada uma das músicas, e em títulos como “Fado castigo” ou o “Fado não é mau” (outras duas interpretadas ontem), mas o fado interessa-lhes mais como universo inspirador que como modelo. Pressente-se a revolução da música popular portuguesa operada por José Afonso na melodia de “Patinho de borracha” - não sabemos o que acharia Zeca disso, mas dezenas de pessoas ergueram patos de borracha durante a canção -, intuímos a gravidade etérea dos Madredeus , aquela força arrancada à nostalgia, em “Passou por mim e sorriu”, entramos no embalo dos balanços MPB que surgem a espaços, e temos por certo que Gershwin acharia piada ao momento de música de câmara que pontuou “Ignaras vedetas”.

Com o público em euforia constante, tanto que as palmas sôfregas não se cansaram de ultrapassar o ritmo da música, os Deolinda avançaram canção após canção das 25 apresentadas – dois encores incluídos - sem pausas e sem palavreado inútil. Recuperaram as suas memórias e as da sua geração e, ao fim do primeiro encore, desencantaram esse vinil antigo de José Barata Moura intitulado “Fungagá da Bicharada”. Fizeram o diagnóstico dessa geração, a que vive agora entre a bicharada, e apresentaram uma nova canção, “Que parva que eu sou”, que fez levantar parte do Coliseu – a precariedade resumida no refrão absurdamente directo “que mundo tão parvo, onde para ser escravo, é preciso estudar”. Despediram-se pouco depois com “Movimento perpétuo associativo”, plano final inevitável e obrigatório da vida que os Deolinda inventaram para essa outra rapariga chamada Deolinda.

No Coliseu, resumiram tudo em 25 canções. Chegaram longe, mas estão como sempre os vimos. Têm as canções e não precisam de nada mais.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Fado

No filme A religiosa portuguesa podem ouvir Camané cantar um fado.

Encontrei no YouTube um outro fado cantado por ele:



Sei de um rio, sei de um rio
Em que as únicas estrelas nele sempre debruçadas
São as luzes da cidade
Sei de um rio, sei de um rio
Onde a própria mentira tem o sabor da verdade
Sei de um rio…
Meu amor dá-me os teus lábios, dá-me os lábios desse rio
Que nasceu na minha sede, mas o sonho continua
E a minha boca até quando ao separar-se da tua
Vai repetindo e lembrando
Sei de um rio, sei de um rio
Meu amor dá-me os teus lábios, dá-me os lábios desse rio
Que nasceu na minha sede, mas o sonho continua
E a minha boca até quando ao separar-se da tua
Vai repetindo e lembrando
Sei de um rio, sei de um rio
Sei de um rio, até quando

letra: Pedro Homem de Melo – música: Alain Oulman

Filme - The Portuguese Nun

The Portuguese Nun / A religiosa portuguesa
ICA - Institute of Contemporary Arts
The Mall,
London,
SW1Y 5AH



21 - 24, 27, 29 - 30 Jan, 2 Feb 2011
£9 / £8 Concessions / £7 ICA Members



Julie de Hauranne, uma jovem actriz francesa que fala a língua da sua mãe, o português, mas que nunca esteve em Lisboa, chega pela primeira vez a esta cidade, onde vai rodar um filme baseado nasLettres portugaises de Guilleragues. Rapidamente, deixa-se fascinar por uma freira que vai rezar, todas as noites, para a capela da Nossa Senhora do Monte, na colina da Graça. No decurso da sua estadia, a jovem trava uma série de conhecimentos, que, à imagem da sua existência anterior, parecem efémeros e inconsequentes. Mas, após uma noite em que, finalmente, fala com a freira, ela consegue entrever o sentido da vida e do seu destino.


Direcção Eugène Green, Portugal 2009, 127 mins, legendas em inglês, 35mm


Apoio do Instituto Camões.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Notícias - BBC acaba com serviço em português

O serviço da BBC em português e em outras línguas vai encerrar no âmbito de um plano para poupar 46 milhões de libras (53 milhões de euros) por ano.

Além do serviço em português, que se destina sobretudo aos países africanos lusófonos, irão também fechar os serviços em macedónio, albanês, sérvio e inglês para as Caraíbas.

O anúncio oficial destas medidas, bem como o despedimento de 650 funcionários de um total de cerca de 2400, será feito esta quarta-feira aos funcionários.

Mas para Teresa Lima, responsável pela secção portuguesa na BBC, onde está há 12 anos, a notícia não é totalmente inesperada. "O serviço já teve para ser cortado várias vezes", explicou, em declarações à agência Lusa.

Ficou surpreendida, no entanto, com os "cortes demasiado drásticos" que colocam em risco os 12 postos de trabalho na secção, dos quais dez a tempo inteiro e dois a tempo parcial.

Se estes planos forem para a frente, admite que "as oportunidades de reintegração [noutros serviços da BBC] não serão muitas".

O serviço em português foi criado a 4 de Junho de 1939 e era dirigido inicialmente a Portugal e às respectivas colónias.

Depois da sua independência, a partir de 1975, os países africanos de expressão portuguesa passaram a ser o principal destino deste serviço.

Além de três programas diários de rádio, tem uma página na internet e recentemente entrou para as redes sociais Facebook e Twitter.

O serviço começou também há pouco tempo a transmitir em directo os relatos em português dos jogos de futebol da Primeira Liga inglesa.

"A audiência continua a crescer e há uma grande interactividade com os ouvintes", garantiu Teresa Lima.

Os números reais de ouvintes são incertos, mas o serviço transmite em sete frequências de rádio em Moçambique, o país com mais público, e tem acordos de retransmissão em Angola, Cabo Verde e Guiné-Bissau.

O encerramento da secção portuguesa faz parte de um plano de poupanças da BBC devido à redução do apoio financeiro do governo britânico.

Além de ter congelado o valor da taxa de televisão, o governo eleito em Maio determinou, em Outubro, que a BBC passasse a financiar o serviço externo da estação, antes suportado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros.

O custo total do Serviço Mundial da BBC está estimado em 272 milhões de libras por ano (315 milhões de euros). Lançado em 1932, transmite em 32 línguas para uma audiência de 241 milhões de pessoas. Inclui rádio, internet e televisão.

Os "Deolinda"

Entrevista aos "Deolinda", no programa Pessoal.... e Transmissível, grupo de música portuguesa popular que vai estar em Londres no Jazz Café no dia 8 de Março de 2011.



Página do grupo Deolinda - aqui

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Paula Rego - na Tate Modern

Filme sobre Paula Rego na Tate Modern - Sexta-feira, 28 de Janeiro
Entrada gratuita


Paula Rego - The Maids, 1987, The Saatchi Gallery


Arts on Film Tate Modern
Paula Rego: Telling Tales
Friday 28 January 2011, 18.30
United Kingdom, Jake Auerbach, 2009, 47 min. English

With the director, Jake Auerbach

Paula Rego (b. 1935) is as famous in her adopted country, Britain, as in her native Portugal. In the words of Nicholas Serota, director of Tate, this major figure "has taken her own childhood experiences, memories, fantasies and fear, and given them universal significance." For Germaine Greer, whose 1995 portrait by Rego hangs in the National Portrait Gallery, her work is both feminist and subversive, projecting the private world and dreams of women with great depth and colour. This film follows Rego over a period of twelve months. In six interviews she talks with humour and candour about her private world, how it is woven into her pictures, how her work helps to keep her inner demons at bay.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Com poesia

Uma nova página que publica em inglês poemas portugueses do século XXI:


Poems from the Portuguese

Poesia

Pedra filosofal

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso,
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos,
que em oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.


Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho alacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que foça através de tudo
num perpétuo movimento.


Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa dos ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão de átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.


Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que o homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

António Gedeão, Poesias completas

Para ouvir uma música composta sobre este poema no YouTube

Ouvir português

Programa de rádio (TSF):